O cabeludo e o uísque

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Era uma noite agradável. O lixo espacial transitava ao redor da Terra mantendo uma órbita estável. Em Caxias do Sul, o clima ameno girava em torno dos 20 graus e caindo. Na escada do bar subiam duas garotas de vestidos cintilantes. No Japão já era quase segunda-feira.

 

Eu dei um belo tapa no balcão do bar e pedi uma dose de uísque num copo baixo e sem gelo. Presenciei com água na boca a garota me servir com extrema desenvoltura, marcando dois ou três quadradinhos na minha comanda para então, deslizar o copo em minha direção, com um belo sorriso feito.

 

Tutorial-Como-beber-Whisky

 

Segurei o copo em frente ao rosto, admirando sua beleza. Aproximei e senti o aroma inconfundível do Johnny Caminhador. Respirei fundo e, quando fui beber o primeiro gole para abrir os trabalhos, uma mão áspera e peluda o arrancou de mim e foi de encontro a uma cabeça igualmente cabeluda e também barbuda, acabando com um terço do meu uísque num só gole.

 

– Poxa, acho que minha mulher tá me traindo, eu sou corno. – Disse o ser humano chorando. Quase senti pena.

 

Fitei o copo inquieto.

 

– Cara, essas coisas acontecem o tempo todo. Na verdade, deve ter uns trinta cornos só aqui no bar comprando cerveja. – Falei já levando a mão ao meu uísque.

 

Mas para minha surpresa, ele puxou o copo contra o peito, soluçou duas vezes e desceu mais um generoso gole.

 

– Mas nós éramos tão felizes juntos, até adotamos um poodle. – Seus olhos vermelhos de choro brilhavam de emoção.

 

Continuou falando.

 

– Nos conhecemos aqui mesmo, nesse bar. Ela disse que adorava caras cabeludos e barbudos. Daqui já fomos pra casa dela e na outra semana já estávamos namorando. Um mês depois já morávamos juntos e agora acho que sou corno…

 

Virou modinha gostar de cara cabeludo e barbudo. E aquele cara do topete bonito? Perfume exalando, barba bem feita? Bolas depiladas? – Pensei desapontado. Ele seguiu as lamentações.

 

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– Mas ela me traiu! Eu acho… – Falou alto, já bebendo outro gole. A essa altura, metade do meu uísque jazia naquelas entranhas.

 

“Se você me encontrar no bar, desatinado! Falando alto, coisas cruéis,” – Cantarolei mentalmente.

 

– Bah meu querido, tu não é corno e eu sou péssimo em dar conselhos, então, acho melhor tu procurar tua turma. – Mais uma vez, levei a mão até o copo.

 

Dessa vez fui convicto em direção ao meu uísque. O braço estendido, esticado – mais reto que garganta de cobra – de encontro ao cálice sagrado. As pontas dos dedos coçando e o olhar fixo ao ponto de encontro. O movimento preciso e rápido, como uma flecha rumo ao centro do alvo.

 

Pude sentir a ponta do indicador tocar o copo antes de o cabeludo puxa-lo contra si mais uma vez.

 

– Mas eu não preciso de conselhos, preciso é encher a cara e pegar alguém, nem que seja a mais horripilante das mulheres dessa festa. Hoje, eu tô abraçando urubu e chamando de meu louro. – Já virando o trago novamente, deixando apenas uma lista fina de uísque dentro do copo e voltando a desabar em lágrimas e soluços.

 

Eu nem sabia que era possível chorar tanto por alguém. Talvez eu fosse um bicho humano insensível demais para entender o sofrimento daquela pobre alma barbuda que se apaixonara por uma mulher que, provavelmente, era só mais uma dessas vadias loucas e egoístas. Com certeza se aproveitou da bondade e da inocência para faze-lo de idiota. Ainda por cima, fez do coitado um corno beberrão, chorando no bar e tendo que desabafar com um desconhecido para encontrar um pouco de paz. Me sensibilizei.

 

– Cara, pode ficar com esse uísque pra ti. Eu vou ali comprar outro. – Saí dando dois tapinhas nas costas dele e voltando para o bar.

 

Dei um belo tapa no balcão. As estrelas cintilavam pelo universo sideral. Os vestidos das garotas transitavam numa órbita instável enquanto dançavam em frente ao palco segurando copos finos de bebida doce e colorida. Em Caxias do Sul a temperatura era 19,5 graus e ainda caindo. No Japão, já era segunda-feira.

 

Assisti a reprise da linda guria do bar – dessa vez mais artisticamente – me servir deslizando um copo baixo de uísque sem gelo. Marcou dois ou três quadradinhos na minha comanda…

 

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Pude sentir o aroma… Ao me preparar para descer o primeiro gole da noite, uma mão peluda apareceu mais uma vez, me arrancando o copo.

 

– Talvez tu tenha razão. Talvez eu nem seja corno. – Disse o cabeludo faceiro, descendo um belo gole do meu uísque, de novo.

 

Com uma veia de ódio saltada na testa, fiz uma cena, gritando e apontando pro cabeludo.

 

– TÃO VENDO ESSE CABELUDO FILHO DA PUTA? É UM BAITA DUM CORNO!

 

***

 

Quando enfim bebi o primeiro gole de uísque, as garotas de vestido já dançavam no espaço. Em Caxias do Sul, o lixo transitava pelas ruas numa órbita geodésica, fazendo sempre o mesmo percurso. No Japão ainda era segunda-feira.

 

 

Abraceraaa!

A Lenda do Vagão Bar 2 – A Guria de cabelos vermelhos

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Meados de 2009 na estação. Observávamos o movimento do outro lado da rua. Eu já meio bêbado, fiz questão de alarmar:
 

– Vou mijar! – Gritei. Bem na hora em que duas garotas, embaladas a vácuo em vestidos curtos, desfilando em direção ao La Barra, me olharam enjoadas.
 

– VOU ME JÁ! – Fiz questão de esclarecer, já abrindo o zíper atrás do container de lixo amarelo. O verde seria para o número dois, em últimos casos. Enquanto urinava, maravilhosamente, por uns dois minutos ininterruptos, avistei uma guria de cabelos vermelhos na fila do Vagão Bar.

 

BAH que merda, vou ter que entrar.

 

Era uma época em que eu me interessava por mulheres estranhas e de nomes estranhos – mas os nomes eram mera coincidência. Por um lado era bom, por que caso eu esquecesse o nome da guria, eu tinha a desculpa de que era um nome bosta. Enfim, balancei, fechei o zíper, acabei a cerveja e atravessei a rua.
 

Logo na fila já trocamos olhares. Ela tinha olhos verdes contornados de preto, os lábios pintados de um batom vermelho sangue, a pele bem clara. Fiquei feliz, carne branca é sempre bem vinda, até por questões de saúde…
 

Ao entrar, fui dançando até o bar, estalando os dedos.
 

– Me vê aí um Schwarzenegger. – A guria do bar já puxou a garra de Steinhaeger pela metade (a outra metade eu havia bebido em outras noites) de baixo do balcão… Cliente fiel.
 

Me dirigi até a sacada e fiquei olhando a gurizada no outro lado da rua, sentados no chão me dando tchau, mostrando o dedo do meio e fazendo uma gritaria que eu não conseguia entender. Ao me virar, notei que a garota de cabelos vermelhos estava bem do meu lado.
 

Me escorei com um dos pés na parede e ajeitei o topete. Pensei até ter sentido o cheiro de calcinhas molhadas. Ela veio falar comigo.
 

– Oi Elvis. – Voz suave.

– Oi mulher. – A benga arrastando no chão.
 

Ofereci bebida e ela aceitou. Talvez tenha pensado que era água, pois virou num gole só. Não fez nem aquela carinha de nojo que a gente faz depois de descer uma dose de tequila.
 

– Nossa tu é forte pra bebida hein, aguentou de boa.
 

Ela chegou bem perto e sussurrou no meu ouvido.
 

– Eu aguento tudão. – Me arrepiando até pelo que não tinha.
 

Tocava Elvis de trilha sonora.

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– Conhece a dancinha do Elvis? – Perguntei já batendo pata e estalando os dedos, o topete e as costeletas em formação me denunciavam.

– Quem sabe tu me ensina essa dança lá em casa. – Quase engasguei com a safadeza. Mas achei estranho, as gurias de Caxias são todas fazidas, primeiro tu tem que conhecer até o porquinho da índia do primo de quinto grau da tia do cunhado do vizinho pra depois, talvez, quem sabe, pensar em algo além de beijo na boca. E olha que beijo na boca é coisa do passado.

– Ah, beleza, quando quiser ir pra tua casa, vamos, te ensino a dança lá. – Falei tentando disfarçar a emoção. Nessa hora cortaram o Elvis, e uma banda de hard rock começou a fazer barulho no palco.
 

Parecia Bon Jovi. A guria ficou do lado do palco curtindo a banda enquanto eu a olhava. Usava um jeans com rasgos nas pernas, um all star vermelho pra combinar com o cabelo e uma regata preta, destacando os belos seios pelo decote. No refrão ela me abraçou lateralmente, e ficamos pulando, sua pele era fria.
 

Quando a música acabou fomos até o bar pegar mais bebida. A guria era um amor de pessoa. Me contou que não era de Caxias, e sim de uma cidadezinha do interior do interior. Que visitou Paris, Londres e Roma nos anos 40, que viveu a época rockabilly dos anos 50, foi hippie na década de 60, punk em 70 e poser nos anos 80. Falou também que havia morado em mais de 100 países diferentes, apesar de ter só 18 anos.
 

Olha só, a guria mentindo pra tentar me conquistar. – Pensei inocente.
 

Só que do nada, a guria mudou. Parou de falar e fechou a cara, até pensei que tinha falado alguma merda… Passaram-se alguns minutos e ela disse que iria pra casa, e se eu quisesse ir com ela, era agora ou nunca. Eu fui.
 

Ela me entregou a comanda e me esperou na descida da escada, tive que pagar a minha e a dela. Descemos e entramos num táxi, ela tirou do bolso um papel e me entregou, era o endereço. Falei pro taxista que confirmou com a cabeça, era longe pra caralho.
 

Espero que pelo menos o táxi ela me ajude a pagar. 

 
– Noite agradável né? – O taxista tentou quebrar o silêncio.

– Boca fechada! – Disse ela, grosseira. Só observei. Quando chegamos, ela desceu do táxi e sobrou pra mim pagar.
 

E eu que, na sacada do Vagão, achava que ia transar de graça.
 

Ela já foi entrando em casa sem me esperar. Eu indo atrás, mas já com vontade de mandá-la a merda. Quando entrei na casa, a porta bateu atrás de mim, fechando sozinha.

***

 

Estranhei a casa sem janelas. Também não havia luz, somente algumas velas acesas, já quase derretidas em cima de pires, espalhadas pela casa. Um cheiro de incenso dava um clima pesado no ambiente, e era possível ver alguns móveis que pareciam bem antigos e formatos de quadros nas paredes.

 

– Não pagou a luz? – Ela nem respondeu. Fui até o banheiro que ficava logo a direita da porta por onde entramos. Levei o celular para iluminar a privada, mas fiquei com medo.

 

Vai que balanço o celular e guardo o pau no bolso. 

 
Ao sair do banheiro fui me guiando pelas sombras dos móveis até um quarto onde ela esperava de pé ao lado da cama, nua, com o belo corpo iluminado pela luz de uma vela pequena em cima do criado mudo. Dei uma boa olhada.
 

– Eu não queria falar nada, mas, além de gostosa, tu é bem mal educada, mulher.

– Deita. – Mandou apontando pra cama.
 

E eu deitei. Ela veio por cima de mim num piscar de olhos, e o seu cheiro me deixou em transe, enquanto sussurrava no meu ouvido palavras em uma língua estranha. Achei aquilo assustador, mas só fiquei apavorado mesmo quando vi as unhas que cresciam afiadas daquelas mãos geladas, rasgarem minha roupa. Eu não podia morrer jovem!
 

O povo da Terra pode precisar de mim.

 

Tentei me mexer, mas não consegui, era como se ela tivesse me enfeitiçado. Me olhou sorrindo e foi então, que enormes caninos brotaram da sua boca e seus olhos ficaram completamente negros. Com uma voz demoníaca, ela disse:
 

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– Vou beber todo o teu sangue e depois, jogar o teu corpo no meu porão, pra apodrecer junto com os outros carinhas. – Deu uma risada diabólica me fazendo tremer de pavor, para em seguida, falar com a voz suave.
 

– Ah não ser que tu seja muito bom de cama.

 

No outro dia, tive que voltar pelado pra casa.

 

Abraceraaa!

O computador da ex namorada

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– Eu to te dizendo, a flechinha do mouse se mexeu sozinha.

– Eu acabei de fazer o escaneamento pela segunda vez, e não apareceu nada de errado. Ou teu mouse tá vivo ou tu tá bêbada.

– Quem sabe…

– To sentindo o cheiro de álcool em ti, Bárbara. Cheiro de vinho. Desculpa te decepcionar, mas, teu mouse não tá vivo.

Ela sentou na cama e ficou quieta, olhar fixo em algum ponto daquele quarto bagunçado de roupas por todos os cantos. Estava mais magra, os cabelos mais longos que da última vez.

Manter contato com ex namoradas é algo tranquilo pra mim, mas só depois que não sinto mais nada por elas, o que era o caso. Conversar com uma guria que te fez ficar mal pra caralho, mostrando que você está pouco fodendo pra ela agora, é um sentimento, no mínimo, agradável. Sentei ao seu lado.

– De verdade, por que tu me chamou?

– Lembra da nossa primeira vez?

– Não. – Respondi seco. É claro que lembrava.

– Foi aqui nesse quarto. Nós voltamos da festa da turma e você estava muito bêbado, ficou correndo pelado pelo corredor do prédio…

Ela seguiu falando, sem olhar para mim. Fixei nos seus lábios, que pareciam mais macios agora, e deixei de ouvir o que ela dizia. Naquele momento, bateu um sentimento diferente, algo puramente físico. Eu seria muito idiota se me deixasse seduzir, depois de toda merda que ela fez.

– Tu não lembra mesmo?

– Eu lembro de ti dando pra todo mundo nesse apartamento, isso sim.

Levantei e fui caminhando até a porta.

– Espera! A flechinha mexeu sozinha de novo! Eu vi! Deve ter algum hacker no meu pc!

Voltei e sentei a frente do computador mais uma vez. A flechinha branca repousava imóvel na tela do monitor. Nesse instante, um estrondo se fez ouvir vindo do lado de fora, e o mundo começou a cair em água. Ela sorriu.

Nada me impedia de sair na chuva, mas eu fiquei. Não havia necessidade de levar um banho, molhar toda a roupa, os tênis… Ela deitou na cama, às pernas a mostra pelo short curto do pijama. Não sei por que, mas fingi que não vi o guarda-chuva escorado na parede ao lado da porta. Estava ficando frio e ela se cobriu, deixando só o rosto de fora, agora me olhava.

– Lembra de quando nós ficávamos deitados em baixo das cobertas de tarde quando chovia? Era tão bom dormir contigo…

– Não lembro. Todas as coisas boas de ti eu apaguei. Quis dar uma de bom samaritano arrumando o teu pc e agora to ilhado aqui nessa bagunça, ouvindo besteira.

Ela silenciou de novo. Eu estava sendo grosso, mas sem sentir culpa. Percebi que no mural fixado na parede havia fotos antigas. Em uma delas, nós dois estávamos juntos, sorrindo numa festa. Foi uma época tão boa, talvez por isso machucou tanto. Mas agora eu só queria transar com ela, sem carinho nenhum, um revival da sacanagem, de preferência tomando uma cerveja. E se rolasse um “te amo” por parte dela no meio do sexo, eu interromperia o coito no mesmo instante e iria embora, levando a cerveja comigo.

– Tem cerveja?

Ela levantou e foi na ponta dos pés até a cozinha, estava uma delícia naquele pijama amarelo. Voltou em seguida com uma garrafa de vinho pela metade e duas taças.

– É tudo o que tenho. – Falou num tom irônico e sorriu.

– É quinta-feira Bárbara. Amanhã cedo tenho que trabalhar, e já tá tarde pra caralho. – Eu dando uma de responsável, de novo.

Mesmo assim, abrimos a garrafa e começamos a beber. A chuva não dava trégua. Aproximei a cadeira da cama e ficamos bebendo em silêncio, um olhando para a cara do outro, desviando olhares. Ela estava linda. A verdade é que relacionamentos fazem com que as pessoas fiquem relaxadas. Afinal, por que vou ficar em forma se não preciso mais te conquistar? Quando namorávamos ela era mais gorda, desajeitada. Agora, estava deliciosa.

– Tá te drogando? Essa porra de mouse tá parado faz quase uma hora.

Ela riu. Que merda de desculpa pra que eu fosse lá. Claro, se ela tivesse dito ao telefone algo do tipo “vem aqui em casa, quero te dar loucamente a noite toda”, provavelmente eu não teria ido. Já “o cursor do mouse tá se mexendo sozinho” me fez ir sem pensar muito. Só não esperava encontrar ela tão gostosa.

– Tá frio. Deita um pouco aqui comigo até a chuva passar.

Essa mulher sabia que ia chover, naquela hora, naquele minuto… Tudo parecia planejado. O pior de tudo é que realmente estava frio. Pensei em ir direto ao ponto. Tirar a roupa, deitar ali com ela e maltratar. Entretanto, desci mais um belo gole de vinho e me virei para o computador, aproveitando o impulso da cadeira giratória. Fiquei pensando em quantas vezes eu havia dormido naquele quarto com ela. Noites exatamente iguais, tanto é que eu lembrava apenas das primeiras vezes. Já havia passado tanto tempo. A chuva começou a diminuir. Ao me virar de volta, ela estava com os olhos fechados.

A filha da puta dormiu?

Peguei a garrafa e comecei a beber no bico. Ao menos, acabaria com aquele vinho. Daria uma boa coçada nas bolas, roubaria um guarda-chuva e iria pra casa. Larguei a garrafa vazia no chão e levantei. Fui saindo, quando ouvi:

– Fica mais um pouco. – Seus olhos estavam entreabertos. Sonolenta, ela puxou para o lado a coberta, indicando o espaço vazio ao lado dela, onde, supostamente, eu deveria deitar. Nem pensei muito.

Deitei ao seu lado em silêncio. Apesar do cheiro de álcool, o perfume dela também exalava, e ela estava bem quentinha. Fiquei olhando para o teto, ela pra mim. Por que o ser humano é tão besta?

Só vaze! Mande essa mulher à merda, dê um chute nesse computador, e vaze!

As mãos macias dela tocaram o meu rosto de barba cerrada, mais parecia uma lixa.

Levante dessa cama seu bocó, essa mulher te fez perder um bom pedaço da tua vida!

A mão dela foi descendo, tocando meu peito, e em seguida minha barriga…

Dois anos! Dois anos!

Ela colocou a mão por dentro da minha calça, e sua respiração ficou ofegante. A minha também.

Levantei num pulo.

Tanta mulher por aí, e eu me deixando seduzir por uma ex, a mais vagabunda de todas as ex. Mesmo? Eu deveria era meter um pé na bunda dessa mina! Já tomei o vinho dela, agora posso mandar ela pra puta que pariu e levar um banho de chuva… Um belo banho de chuva? Já tá tarde pra caralho, não tem mais ônibus essa hora. Talvez eu esteja sendo um pouco dramático. Afinal, eu não sinto nada por ela além de tesão. Vou transar com ela e quando acabar, a chuva já vai ter parado. Posso até dormir aqui e ir trabalhar direto amanhã. Talvez eu nem vá trabalhar, e fique transando de manhã também.

É só sexo. – Eu pensei.

– É só sexo. – Ela disse.

Tirei a roupa e deitei.

 

A luz da webcam acendeu sozinha.

Máquina do tempo

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Atenção! História baseada em fatos reais.

 

Eu estava brincando de carrinho na frente de casa quando encontrei meu eu do futuro, eu tinha 15 anos, o ano era 2005.

 

O futuro

O futuro

 

– Pequeno Diego, você continua brincando com carrinhos? Porra, 15 anos na cara e brincando com carrinhos? – Eu confesso que não sabia o que dizer, fiquei petrificado. Ali, na minha frente, estava eu com uns 25 anos na cara, o cabelo estava curto com um belo topete, uma barba de respeito, bem vestido e com um olhar profundo, de quem já viveu muita coisa nessa vida.

 

 

E eu achando que nunca nasceria barba nessa cara.

 

 

– Pequeno Diego, eu vim do futuro para lhe dar uns conselhos sabe, sobre as mulheres. Por que por incrível que pareça meu guri, de burro você só tem a cara, as orelhas e o jeito de andar…

 

– Eu… Digo, você… Nós. Bem nós, comemos gente no futuro? – Perguntei inocente.

– HAHAHAHAHA! – Riu o Diegão do futuro, caminhou até a minha direção, ainda com o sorriso feito no rosto, e colocou a mão no meu ombro, ele era um pouco maior que eu.

– Não te apressa, primeiro tu precisa fazer o juramento.

 

 

Meus olhos brilhavam enquanto eu olhava para ele, ou pra mim…

 

 

– Bah pequeno Diego, eu sei que esse cabelão aí que tu tem é muito fodástico, às vezes ainda sinto saudade dele, mas infelizmente tu vai ter que cortar.

– Sério? Mas por quê? Ah, tudo menos o cabeloso!

– As garotinhas da escola curtem, mas tu só vai começar a comer gente quando cortar essa gadeia. Ergue teu braço direito e repete.

 

 

O JURAMENTO

 

– Eu, sabiamente seguirei os ensinamentos que eu mesmo inventei no futuro para o resto da minha vida. Jamais, em circunstância alguma, ficarei mal por causa de alguma mulher, afinal, olha quantas tem por aí, se for o caso de alguém ficar mal, que sejam elas por minha causa. Jamais ficarei correndo atrás de alguma mulher, se for o caso de alguém ficar correndo, que sejam elas atrás de mim. Jamais ficarei escrevendo poeminha e cartinha de amor, se for o caso de escrever, que seja num blog foda, bergamotas ou algo assim… Jamais ficarei pagando jantinha e cineminha pras garotas, se for o caso de gastar uma grana, que seja com motel. Jamais, de forma alguma, beberei por causa de uma mulher, se for o caso de beber, que seja com os amigos. Amém.

 

 

Eu repeti tudo, e naquela noite combinamos de ir para a estação. Eu coloquei um all star com os cadarços soltos e uma flanela toda amassada, a cara estava meio oleosa, o zíper meio aberto, se não me engano o que bombava era o galeria essa época…

 

 

– MEU DEUS GURI! – Eu do futuro gritei puto da cara, e saímos para a noitada.

– Tu já bebe? Não lembro com que idade comecei a beber.

– Ah bebo uns ice na YES, Curaçau com Sprite nas festinhas da escola.

– Aqui vai à primeira dica: Bebidinha de viadinho não!

 

 

Entramos no Mississippi, e logo percebi umas mulheres se molhando para mim, só que na verdade não era pra mim, era pro eu do futuro.

 

 

– Tá vendo pequeno Diego, nem precisei fazer nada, só por ter barba já chamei atenção. Quando brotar barba nessa cara deixe crescer, essa é a segunda dica. Você pode fazer ela uma vez por semana pra não ficar igual um mendigo.

 

Eu guardando todas as informações na cabeça.

 

– Tu já começou a escutar Elvis? – Me perguntou, e eu pude ver o brilho nos olhos dele, esperando que eu respondesse que sim.

 

– Eu curto Sex Pistols, Ramones, Clash… Elvis é muito antiquado.

– Ahhhhhhh! – Gritou o eu do futuro, mas logo se recompôs. Ajeitou a jaqueta e o topete, e calmamente me explicou:

– Olha só pequeno Diego, o Elvis é o Rei. Ele sabia tudo sobre as mulheres, todas elas o queriam. Tua acha que o Joey Ramone comeu quantas mulheres na vida? Umas 50 só. O Elvis se duvidar tem mais de 4 dígitos de mulheres comidas na conta dele.

 

 

Mas 50 é um bom número.

 

 

– Não perde o foco. Tá vendo aquelas duas ali? – Apontou para dois corpos. Uma era a mulher mais gostosa da festa, peitão, bundão, loira, de vestidinho justo, lábios carnudos, olhos claros, demais! O outro corpo parecia o predador (o cabelo era igual). Essa é a terceira dica: às vezes nos sacrificamos pelos amigos.

 

 

Ele, digo, eu do futuro, comecei, digo, começou a conversar com a mulher, e logo pegou o broto. Eu olhava para o predador. Foi um baita filme, o Schwarzenegger havia tido uma baita atuação, quem sabe eu seguisse seu exemplo, E METESSE UM TIJOLAÇO NA CABEÇA DESSA LOUCA! De qualquer jeito, até o predador me esnobou, e nem me deu bola.

 

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O Predador

 

– É pequeno Diego, agora vamos pro teu estádio, um lugar onde tenha mais gurizadinha nova, aqui tem muita tia, é muita areia pra ti… AINDA! – E começou a rir, eu saquei a graça.

 

 

Saímos do Bar e fomos pra Cantina, um bar que era tipo um porão. Cheio de menininhas. Esbarramos num piá cabeludo, loiro, meio narigudinho. Percebi que o eu do futuro o reconheceu, mas ficou gelo.

 

 

– Ok, eu não posso interferir em nada da sua vida, mas posso te dar conselhos ok. Não me pergunte resultados da mega sena ou coisas do tipo. A quarta dica é a seguinte, nunca minta sobre alguma mulher, tipo: “Ah eu peguei cinco mulheres ontem, ou, comi duas na mesma noite”. Ainda mais para os seus amigos. Seja verdadeiro sempre, apenas seja você, mas de preferência um pouco mais engraçado que isso.

 

 

Vi uma roquerinha linda dançando. Ela era simplesmente perfeitinha demais, parecia um anjo dançando balé nas pontas dos pés, flutuando no meio de toda aquela gente de preto, amor a primeira a vista.

 

– É só um brotinho Dieguinho, como todas as outras ao redor. Não tem nada de mais nela. Um dia tu vai começar a ouvir Cazuza e vai sacar o lance, nem te estressa. Mas, vá lá, chega nela, sem se apegar é claro! A quinta dica: brinde o desapego.

 

 

Ouvi suas palavras e fui confiante no brotinho. Cheguei nela e dei oi. Perguntei seu nome. Ofereci uma bebida. Dancei junto. E levei um fora. Voltei triste.

 

 

– Sexta dica: saiba levar um fora numa boa, às vezes é até legal chegar nas mina só pra levar fora, depois tu pega uma na frente dela. Agora se recomponha e chegue em outra. – E foi o que eu fiz. Cheguei numa mais comunzinha e peguei. Voltei correndo.

 

– Ah viu só Diegão do futuro? Peguei o broto! Tá 1×1 agora hein! HAHAHA.

– Caralho, inegável que esse piá de merda sou eu – Falou o eu do futuro e me deu uma cerveja, uma polar, que desceu doce. Não que seja correto dar bebida a menores.

 

 

Saímos do bar e sentamos nos trilhos. A luz laranja dos postes, misturando com o cinza da rua e o preto do céu contrastando com os telhados faziam um show de luzes, e o cascalho no chão gritando de dor cada vez que alguém pisava nele, machucando, cruéis, insensíveis!

 

– Acho que fiquei bêbado – Falei.

– A sétima dica é aproveitar estes momentos, de boemia e solidão. O lance poeta da coisa sabe? A vida é muito mais do que fazer alguma coisa que deixe seus pais orgulhosos, às vezes o momento que você entende algo é o momento que você está contemplando o nada, sacou? Tu vai sofrer por causa de algumas mulheres pequeno Diego, sinto muito. Mas aí vai chegar uma hora que tu vai rir do que passou, e vai aprender com todas as coisas que você fez errado. Vai se tornar um homem de verdade.

 

 

Eu, digo, ele, me ajudou a levantar e voltamos para casa.

 

 

Voltei imaginando onde o eu do futuro teria estacionado a máquina do tempo. O que teria feito com que eu inventasse uma máquina do tempo no futuro? Eu teria mesmo inventado essa máquina?

 

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Máquina do tempo

 

– Tu roubou de quem essa máquina do tempo? – Perguntei desconfiado, trupicando no cordão e caindo liso no chão.

 

– É uma longa história – ele seguiu falando sem me ajudar a levantar- O nós mais do futuro ainda, de uns 50 anos me procura. Aí ele me conta que casou com uma mulher e quando se divorciou ele ficou tão puto que virou um cientista muito foda, e inventou a máquina do tempo para poder voltar e não pedir a mulher em casamento. Mas isso não vem ao caso agora. Aqui vai última dica: não case.

 

 

Chegamos em casa. Eu deitei na cama completamente sonolento, embriagado. Olhei pra o eu do futuro uma última vez e adormeci. No dia seguinte acordei num pulo. Corri pela casa procurando por mim mesmo. Fui lá fora e nada. Atrás de casa nem sinal da máquina do tempo. Fiquei triste. Então voltei para o meu quarto vi algo em cima do rádio, senti minhas pernas e braços tremerem, o coração disparou, era um CD. Segurei-o em minhas mãos, e pude ler na capa dourada a palavra mágica e um bilhete:

 

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Um presente, faça bom uso do passado.

 

 

Abraceraaa!

 

Floresta de prata

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Observava da janela do trem a lua cheia, pintando as folhas das árvores com um tom prateado, transformando o assustador da noite em algo encantador. Descrevi em meu bloco de anotações como a mágica da lua. Meu destino naquela viagem era uma pequena cidade afastada de tudo, onde eu estava indo para investigar uma série de crimes horríveis. Quatro pessoas foram encontradas mortas, mutiladas. E daí se inventou um monte de histórias ridículas. E eu já tinha resolvido casos assim, e sabia que na certa, algum psicopata infeliz estava por trás disso, nestas cidades pequenas existe muita gente que acaba enlouquecendo e fazendo estas barbáries. A viagem era longa e cansativa, mas de qualquer forma, o prefeito havia me oferecido uma bela recompensa pela solução do caso. Fechei as cortinas da janela e tentei dormir um pouco, o dia seguinte seria longo.

 

 

Desci do trem e o senhor delegado me esperava. O homem era enorme e usava um chapéu marrom, tinha uma barba de respeito e segurava as rédeas de dois cavalos, e me olhou com ar estranho. A primeira coisa que fez após me cumprimentar foi me entregar um revolver.

 

 

– Detetive, estou muito feliz que você tenha vindo, eu e meus homens já fizemos de tudo para encontrar a pessoa por trás destes crimes. – Me disse apreensivo.

– Fique tranquilo delegado, seja quem for, vamos descobrir.

– A propósito detetive, pensei que você fosse mais velho, alguém com sua fama e tão jovem. – Frisou. Eu com meus 27 anos, sem barba, de altura mediana e magro. Os outros detetives geralmente eram de porte atlético e mais velhos, achei normal a decepção do delegado.

 

 

Passamos pelo meio da pequena cidade, e fiquei surpreso por todas as pessoas ficarem me olhando. A cidade era imunda, cheirava a porcos e fezes e a maioria das casas ficava com as janelas completamente fechadas. A única impressão que tive, além do relaxamento daquelas pessoas, foi de medo em seus olhares. Logo chegamos ao gabinete do prefeito.

 

 

– Você deve ser o detetive!

– Senhor prefeito.

– Sente-se, por favor, aguardávamos sua chegada ansiosamente – Falou o prefeito da cidade, um homem velho, baixo e barrigudo, que fedia a álcool. Sua mão era trêmula, e ele parecia bem agitado. Observei que era canhoto ao largar a caneta da mão esquerda.

– Espero que tenha feito uma boa viagem até aqui detetive.

– A viagem foi boa, obrigado.

– O senhor sabe detetive, o povo está assustado com os últimos acontecimentos. Na noite passada outra garota foi encontrada morta na floresta, era uma moça querida por todos. Muitas pessoas já estão pensando em ir embora da cidade com medo deste assassino.

– Senhor prefeito, me responda, existe algum lugar onde os ataques ocorrem com maior frequência?

– Bem, geralmente na floresta, e a noite.

– Na floresta? Existe algum animal nestas florestas? Como ursos ou até mesmo lobos?

– Já matamos alguns ursos nestas florestas, mas isso já faz um bom tempo detetive, e eu realmente não acredito que tenha sido um urso ou qualquer outro animal.

– Senhor prefeito, preciso que alguém me leve até a floresta.

 

***

 

Dois homens me acompanharam, o delegado era um deles, os dois armados. Levaram-me até o local onde o corpo da moça havia sido encontrado. Havia muito sangue e pedaços da roupa da jovem, típico ataque de algum animal. O urso pardo pode desmanchar uma pessoa se sentir ameaçado, e eu sabia que naquela região havia muitos ursos pardos. Voltamos à cidade, onde fui levado a um pequeno hotel no centro. No caminho notei que as pessoas preparavam algum tipo de celebração ou festa para a noite

 

– Aniversário da cidade. – Disse o delegado, respondendo antes mesmo de eu perguntar.

 

Preferi ficar no quarto, ouvindo a música tocando do lado de fora, além das pessoas que falavam alto, gritavam e festejavam o aniversário da cidade. Olhei pela janela e pude ver que as pessoas estavam dançando enquanto um rapaz tocava violino e outro cantava. Deite-me na cama e dormi, estava muito cansado.

 

Logo cedo acordei num pulo. Batidas fortes na minha porta.

 

– Detetive! Detetive!

 

Abri a porta e entrou o delegado, juntamente com dois homens.

 

– Noite passada, um casal de jovens foi encontrado morto na floresta.

 

 

Fui até o local e aquela foi uma das piores visões que tive em minha vida. A garota estava com marcas enormes de mordidas, o rapaz estava irreconhecível, parecendo uma papa de carne moída com molho de sangue. Me segurei para não vomitar, e percebi que todos fizeram o mesmo.

 

 

– Reúna alguns homens e algumas armas delegado, esta noite vamos ficar de plantão aqui na floresta. – Avisei.

 

 

Logo que a noite começou a cair nos dispersamos e cada um ficou em um ponto diferente, mas todos próximos. O céu foi fechando e logo começou uma garoa fina, que se transformou em uma tempestade grossa e barulhenta. Ainda assim ficamos todos lá, até o amanhecer, nos protegendo da chuva como podíamos. Não houve sinal nenhum do animal.

 

 

Tirei o dia para dar algumas voltas pela cidade. Não notei nada de estranho naquela manhã, mas algo me chamou a atenção. Avistei o prefeito mancando. Dê certo virou o pé, gordo sempre faz gordice. Ou quem sabe tenha corrido a noite toda atrás de uma pobre donzela indefesa? Algo naquele homem me incomodava, o cheiro de álcool ou quem sabe a tremedeira naquelas mãos. Resolvi, por via das dúvidas, colocar o prefeito em minha lista de suspeitos, apesar de achar que mesmo que quisesse fazer mal a alguém não conseguiria, parecia apenas um bêbado gordo e desajeitado.

 

 

Conversei com algumas pessoas, em especial comerciantes, que não tinham nenhuma informação relevante.  Falei com uma garota, amiga da jovem morta. Fiz amizade com um senhor que me deu um bom vinho para beber, falei com algumas crianças que brincavam na rua, conversei com o dono de um bar que me contou toda sua vida, e em seguida voltei para o hotel. Esta noite eu faria diferente.

 

 

Cheguei mais cedo à floresta, caminhei um bom pedaço e subi em uma árvore. A noite foi caindo lentamente. O delegado e seus homens ficaram mais atrás, escondidos com suas armas. Como em um feitiço, senti um sono muito forte, um cansaço que dominou todo meu corpo, e meus olhos começaram a querer fechar. O canto de uma coruja parecia uma canção de ninar, acompanhada dos grilos, até mesmo as árvores pareciam cantar com o vento tocando seus galhos e folhas, e a escuridão brilhante de prata se fez outra vez, fiz uma força absurda para me manter acordado, mas logo adormeci tranquilamente, a dez metros do chão.

 

***

 

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Estava escuro. Corri por entre as árvores, a respiração ofegante ritmada com o pulsar frenético do meu coração, combinando medo e certeza, a morte certa. Estava escuro. Eu podia ouvir o barulho das enormes patas tocando o chão, e dos rosnados que ecoavam pela noite, era questão de tempo para que me pegasse. Imaginei uma mordida pesada no ombro, fazendo com que eu caísse, então começaria a me balançar como se eu fosse um boneco entre seus dentes. Eu não tinha coragem de olhar para trás, apenas corria, esgotado. Estava escuro. A criatura estava se aproximando, e como já havia feito com tantos outros homens, me devoraria, pintando a terra com meu sangue, fazendo de mim mais uma vítima de um crime sem explicação para as pessoas que achassem meu corpo pela manhã. No jornal da cidade estaria estampada a notícia, detetive chamado para desvendar o caso é encontrado no meio da floresta, estraçalhado. Parei e olhei para trás, e um par de olhos vermelhos me observava da escuridão.

 

***

 

Acordei assustado. Voltei em direção à cidade e encontrei os homens, todos dormindo no chão mesmo, ainda era cedo, o sol começava a lançar seus primeiros raios de luz. Descrevi o sonho em meu bloco como a música da floresta. Ao voltarmos para a cidade uma confusão se fazia no centro, gritos e mais gritos, e pessoas chorando. Na rua principal o corpo de uma jovem. As pessoas me olhavam com decepção, pois acreditavam que eu iria desvendar o que estava acontecendo, mas eu estava apenas correndo no escuro, sem pistas, sem suspeitos, apenas corpos encontrados como se alguém tivesse atacado, alguém com dentes e garras, sem coração.

 

 

Ao ligar os fatos, cheguei à conclusão de que certamente não era um homem quem cometia os assassinatos, e sim um animal. Porém, o animal não estava matando gente para se alimentar, ele matava por algum outro motivo. Examinei o corpo da moça e apenas confirmei a ideia. Havia pelos nas unhas da moça, ela lutou com algum animal. Voltei a andar pela cidade, procurando precedentes a ataques assim. Um senhor me contou que o prefeito fora atacado há muito tempo atrás, contudo sobreviveu, saiu apenas com uma enorme marca de garras nas costas, fui até o gabinete.

 

– Senhor prefeito.

– Detetive. Me diga, o que você descobriu até agora? As pessoas já estão duvidando da sua capacidade. – Falou irônico.

– Senhor prefeito, se não se importar, gostaria que me contasse da vez em que foi atacado na floresta.

 

 

O homem recuou na cadeira, arregalando os olhos.

 

 

– Quem te contou isso detetive? – Sua mão tremia como nunca.

– Não vem ao caso senhor prefeito, por favor, prossiga.

– Há muito tempo fui pegar um pouco de lenha na floresta um animal me atacou quando eu voltava para casa à noite, certamente um urso. Apenas me arranhou e foi embora, nada tem a ver com os ataques que estão ocorrendo agora detetive. Tanto é que no dia seguinte alguns homens se reuniram e mataram o animal, veja você mesmo. – Caminhamos até outra sala, onde estava pendurada uma cabeça empalhada de um urso pardo na parede, a boca enorme aberta, mostrando os grandes dentes amarelos, os olhos negros como a noite, fixos aos meus.

 

 

Saí dali um pouco transtornado. Posicionei homens em todos os cantos da cidade, todos armados, inclusive eu. A ordem foi de que ninguém saísse de casa aquela noite, e que todos ficassem atentos a qualquer coisa estranha que acontecesse. Fiquei no telhado da delegacia, que era à frente da prefeitura, exatamente no centro da pequena cidade, onde ao lado ficava a casa do prefeito, e esperei anoitecer. Como sempre a noite chegou bela, a lua gigante no céu, dando o mesmo clima da outra noite no trem, um silêncio mortal. Observei a rua durante horas sem nada estranho acontecer. Quando começava a amanhecer avistei alguém escondido atrás de algumas caixas de madeira do outro lado da rua, não pude ver quem era. A pessoa se arrastou pelo chão e foi até a parte de trás da prefeitura, na direção da casa do prefeito, saindo do meu campo de visão. Desci juntamente com dois homens do delegado até lá silenciosamente e não encontrei ninguém, na casa do prefeito uma janela entreaberta.

 

 

De todas as pessoas com quem eu havia conversado na cidade, o único que parecia esconder algo era o prefeito. Pela manhã ele se dirigiu ao gabinete, e foi neste momento que entrei em sua casa escondido. Uma sala com alguns livros velhos e uma mesa quebrada. O chão parecia ter sido limpo. Na direita uma escada. Subi. No andar de cima uma porta trancada e um quarto vazio. Tentei abrir a porta trancada, mas não consegui, e arrombar não seria algo correto a se fazer. Notei panos molhados, estendidos na janela deste quarto vazio, certamente os mesmos usados para limpar o chão e ao me aproximar notei os panos sujos do que parecia ser sangue, neste momento pude ouvir um barulho na porta de entrada, o prefeito estava voltando.

 

 

Sem ter onde me esconder forcei a porta trancada mais uma vez, e a mesma abriu, entrei. Era uma espécie de escritório, onde havia uma mesa e uma cadeira, e muitos livros e papéis. Símbolos esquisitos, de círculos e estrelas, palavras em escrita que eu nunca tinha visto, e desenhos de demônios, dobrei os papéis e guardei no bolso. Pude ouvir a porta de entrada da casa se fechar, ele havia saído.

 

 

Saí escondido e fui até seu gabinete.

 

 

– Senhor prefeito, podemos conversar? Tenho algumas perguntas para fazer ao senhor.

– Me desculpe detetive, estou muito ocupado agora, volte mais tarde. Ou melhor, volte amanhã. – Me respondeu enquanto folhava alguns papéis. Levantei e fui até a porta, fechei e voltei para frente da mesa dele. O homem largou seus papéis e me olhou.

– O Senhor é insistente, admiro isso, é uma qualidade para sua profissão detetive. Mas acontece que tenho muitas coisas para fazer agora, e o senhor está realmente tomando meu tempo. A ideia de traze-lo aqui foi do delegado, estou vendo em você um jovem assustado, sem saber o que fazer.

– Senhor prefeito, eu amo o que faço, e isso faz de mim um detetive muito bom. Realmente não quero atrapalhar em seus afazeres como líder desta cidade, mas como fui contrato para investigar, preciso lhe fazer algumas perguntas. Diga-me, onde você estava ontem à noite? Passei perto da sua casa e vi panos estendidos na janela pingando sangue.

– Detetive, você está desconfiando de mim? Não seja tolo. – Respondeu rindo. Eu estava em casa com um amigo e algumas moças, estava uma bagunça, estes meus amigos bêbados derrubaram vinho por toda a casa, deu um trabalho muito grande para limpar tudo, e o senhor sabe, não tenho esposa, preciso me virar sozinho. – Continuou rindo.

 

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Vinho? Aquilo nos panos parecia sangue para mim. Voltei para meu quarto e tentei pensar, mas minha cabeça doía, estava com muito sono e cansado. Tentei entender o que dizia naqueles papéis que peguei na casa do prefeito, mas nada fazia sentido. Apesar de jovem, eu já havia solucionado muitos casos em diferentes lugares do país, mas dessa vez era diferente, não havia como culpar uma pessoa, quando as marcas nos corpos eram de dentes e garras.

 

 

Voltei para o telhado e fiquei observando a casa do prefeito. Quando já havia anoitecido ele saiu, a passos rápidos, carregando uma bolsa, e eu o segui. Mantive sempre uma distância considerável dele, mas quando ele chegou à floresta logo o perdi de vista, e eu fui caminhando floresta adentro. Andei um bom bocado, e já não fazia ideia de onde estava quando resolvi dar meia volta, tentando imaginar onde estaria o prefeito. A escuridão já dominava a floresta por completo, e a lua encobrida por algumas nuvens não permitia que eu visse muito além de onde estava. Ouvi um barulho ali perto, eram gemidos retraídos e barulho nas folhas do chão, como se alguém estivesse se debatendo. Aproximei-me com cuidado do barulho que aumentava cada vez mais. No tronco de uma árvore um pedaço de roupa grudado, no chão acabei chutando um chapéu. Saquei o revolver que o delegado havia me entregado logo que cheguei à cidade, e no momento em que as nuvens saíram da frente da lua tudo iluminou a minha frente.

 

 

Debatendo-se no chão estava o prefeito, e eu conseguia ouvir os estalos de seus ossos, que se dobravam de formas impossíveis e seus olhos estavam vermelhos, ele babava como um cão raivoso. Pelos começaram a brotar do seu corpo que se curvou em noventa graus, espichando o pescoço para frente e abrindo a boca, mostrando enormes caninos crescendo lentamente. O homem gordo e baixo estava se transformando em uma espécie de cão enorme na minha frente, e quando me notou olhou fixo nos meus olhos, ainda se transformando. Pude ouvir em seu último ato como ser humano, dizer em uma voz grave e demoníaca:

 

 

– Corra detetive!

 

 

Corri pela floresta exatamente como no sonho, mas desta vez era tudo real. O medo havia me tomado de tal forma que minha cabeça doía e meu corpo todo tremia. Meus ouvidos quase explodiram com um uivo retorcido, que passou do grave para o agudo, já seguido do bater das patas contra o chão, a criatura corria ao meu encontro, e eu ao encontro da morte. Corri como nunca em toda minha vida até não aguentar mais, e ao fim das minhas forças, caí de joelhos sobre folhas secas, e fechei os olhos. Senti o bafo quente atrás de mim, e uma dor terrível rasgando minha carne. Fui atirado longe e caí de frente para a criatura que me encarava, os olhos vermelhos como sangue, famintos pela minha alma, que desesperada gritava, mas era ouvida apenas em meus pensamentos. Minha reação foi sacar a arma que estava na minha cintura e descarregar contra o animal, que assustado com o barulho das balas, correu para dentro da floresta, me deixando caído com uma marca de quatro garras em minhas costas.

 

 

Descrevi em meu bloco de anotações como o homem lobo. E logo na noite seguinte, uivei para lua cheia pela primeira vez.

 

 

Abraceraaa!

A Lenda do Vagão Bar

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Eu estava na sacada do falecido Vagão Bar bebendo uma cerveja bem gelada numa bela noite de sábado. Do lado de dentro se apresentava a banda Cartolas – ou Vera Loca -, quando percebi duas garotas ao meu lado. As duas faziam o estilo gótico, com olhos pintados de preto, batom preto e vestidas de preto. Uma delas usava um capuz, mas percebi que tinha o cabelo preto, a outra se diferenciava apenas por ser loira, e as duas estavam com as pernas de fora. Mulheres góticas não fazem meu estilo, então voltei a fitar o horizonte, descendo um belo gole.

Mas por que raios duas góticas vieram logo hoje?

O lance boêmio se desfez com as risadinhas, aquelas que você sabe que são pra você, garotas se fresquiando, é que eu parecia o Elvis naquela época. Olhei para duas e mandei um beijinho, as duas se olharam com cara feia e deram risada, e eu voltei a descer outro gole, realmente a noite estava muito bela.

É claro que eu não ia puxar papo, era noite de ficar fazendo pose na sacada com uma garrafa de cerveja sozinho, esperando a gurizada aparecer contando causos, e então quando o show acabasse voltar para dentro do bar e beber algumas doses de tequila, enlouquecer, e depois voltar cantarolando um Cascavelletes no caminho de volta pra casa.

– Curte cemitério? – Me perguntou a garota loira, eu nem ia dar brecha, mas a pergunta me intrigou.

– Como assim?

– É sabe, ir pro cemitério de noite, ficar de boa curtindo.

– Tenho medo dessas coisas. – Falei brincando, não tenho medo de nada.

A duas riram.

Uma terceira gótica apareceu como um terremoto, uma gordinha de cabelo azuis xingando alguém que estava dentro do bar, me deu uma secada com cara de nojinho.

– Quem é esse?

– Ah é um cara que tem medinho de cemitério. – Falou a loira.

– Você costumam ir mesmo pro cemitério? – Perguntei duvidando.

– Hoje vai ser a primeira vez. – Deixou escapar a morena de capuz.

– Ah, primeira vez é? Pensei que vocês fossem experientes nisso. – Me virei já caminhando para dentro do bar.

– Espera! – Gritou a Garota de cabelos loiros – Você não quer vir com a gente? Temos bastante bebida e um carro.

Elas estavam com medo, essa era a verdade, góticas assustadas. A ideia de ficar sozinho com três garotas, um carro e muita bebida me agradava, mas ir para um cemitério não, apesar de curtir esse lance zumbi. Se rolasse alguns mortos vivos nos perseguindo, com certeza a gordinha seria pega primeiro, me tranquilizei.

– Até posso ir, mas depois me levem até em casa.

A gordinha e a morena do capuz pegaram nossas comandas e foram pagar, eu fiquei escorado na parede, jaqueta de couro gola alta e um topete de respeito, no maior estilo rockabilly, a loira ficou me olhando.

– Vocês são daqui? As pessoas de Caxias são fechadas, não fazem amizade assim com qualquer um. – Perguntei.

– Não somos daqui, mas no caminho pra cá vimos um cemitério muito macabro. – Respondeu sorrindo, eu nem fiz questão de perguntar de onde eram.

A gordinha era a motorista e tinha um paliozinho preto, o que me deixou com um pé atrás, a chave do carro estaria com ela caso precisássemos correr e fugir de alguém, ela não teria folego e seria pega. Fui no banco de trás com a loira. A morena de capuz ligou o rádio e começou uma gritaria da porra.

– MAS QUE MERDA É ESSA? – Gritei.

– Isso é Bring me to Horizon, e começaram a se debater, lembrei-me do Harlem Shake.

Con los terroristas!

Con los terroristas!

Fomos nos afastando da cidade. Logo apareceu uma garrafa de uísque, que não larguei mais. A gordinha tinha peitos enormes, que neste caso serviam de air bag, dirigia fumando e de vez enquanto soltava um “demais cara, demais!”. A garota do capuz era a mais estranha, meio mocoronga, não entendia as piadas que eu contava. Já loira era a mais normalzinha, conversava comigo e eu comecei a me interessar. Seguimos a rodovia até chegar em uma estrada de chão, andamos de carro mais algum tempo e então paramos. A três saltaram de dentro do carro gritando e dançando, feito crianças com um brinquedo novo, logo a frente uma placa que dizia “Cemitério”.

A lua iluminava bem, e os faróis do carro também, mesmo assim desci desconfiado, olhando para todos os lados, com a garrafa de uísque na mão, logo catei um pedaço de madeira do chão e fiquei ligado. Alguma delas aumentou o volume do som, e caminhamos mais um pouco até começarem a aparecer algumas lápides pelo chão, as garotas foram à loucura. A gordinha subiu em cima de um túmulo e começou a dançar levantando a blusa e mostrando os peitões gigantes enquanto segurava uma garrafa de vodka.

A garota do capuz se juntou à gordinha, enquanto eu e a loira fomos dar uma volta macabra pelas sombras da noite. Ela me contou que não era tão pirada quanto às amigas, mas que se sentia muito bem na companhia delas, contou que era uma garotinha comportada e certinha até pouco tempo atrás, mas que algumas coisas fizeram com que ela se revoltasse e começasse a fazer algumas loucuras, tipo esta de passear num cemitério à noite com um estranho.

Paramos. Ainda era possível ouvir os gritos das outras duas quando a garota me falou:

– Eu não tenho medo de nada sabia?

– Nem de nunca sentir medo?

– Nem. E nem acredito em nada destas coisas sabe? Tipo fantasma, vampiro… Acho tudo isso uma maluquice. Acho que deveríamos ter medo de nós mesmo primeiro, somos capazes de fazer tanta coisa ruim sabe? Tipo matar uns aos outros a troco de nada, roubar, fazer maldade, quando em vez disso poderíamos estar fazendo novas amizades, curtindo momentos malucos tipo agora…

Eu estava velejando em um mar de cerveja na sacada do bar quando de repente os olhos daquelas garotas brilharam iluminando um porão fundo, escuro que chamamos minha alma, que era amontoada, descendo lá para um canto, só com um pouquinho de vida, estava minha velha (nem tão velha assim) consciência. Mas eu estava lá, bebendo uma cerveja na sacada do bar, ensaiando mais uma bebedeira quando o novo surge, mais uma oportunidade de viver!

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Voltamos para perto das outras, enquanto elas continuavam a balançar os peitos em cima das sepulturas de pobres diabos que já morreram. Então começou a tocar uma música calma, e nós quatro nos sentamos em cima de uma lápide. Eu também não acredito em vampiro, espírito e lobisomem, fiquei de boa. Continuamos nossa conversa filosófica e sinistra, e logo o álcool fez efeito. Tiramos as roupas e todos balançavam o que tinham para balançar, e as garrafas passavam de mão em mão, eu me sentindo um hippie sinistro quando a gordinha começou a gritar:

– Apareçam zumbis! Apareçam!

Achei loucura gritar daquele jeito, vai que alguém ouvisse, mas entrei na onda, e logo todos nós gritávamos.

– Apareçam! Vamos! Não temos medo de vocês!

Todos bêbados e corajosos. Me empolguei segurando a garrafa na mão.

– Huhuhu! Coloca mais água nesse feijão!

Neste momento as luzes do farol do carro se apagaram, juntamente com o rádio que desligou, um silêncio mais feio que um cagaço. Estávamos no meio do nada com um carro sem bateria, e logo me arrependi de ter me enfiado nessa fria. Vestimos nossas roupas e resolvemos todos entrar no carro. O silêncio era foda, e a gente podia ouvir uns barulhos estranhos no mato, tipo galho quebrando, coruja, grilo e toda a fauna da região.

– De quem foi a ideia de deixar o rádio ligado? – Perguntou a Loira.

– Da tua vó! – Respondeu a Gordinha.

– Cala boca sua gorda feia!

– Cala boca você sua esquisita maluca…

Enquanto as duas discutiam a gótica do capuz iluminava tudo com o seu celular, ela parecia estar de boa mesmo naquela situação de merda.

– Porra tu é tri zen né mulher? – Perguntei a ela.

– Zen? O que significa?

– De boa sabe, tranquila. – A outras duas pararam de discutir e começaram a prestar atenção na nossa conversa.

– Ah então sou zen sim. – Respondeu rindo.

– Parece que tu tá sempre chapada, viajando na maionese. – Finalizei, e ninguém falou mais nada.

O que restava era ligar pra alguém ou esperar amanhecer, havia algumas casas ali perto e poderíamos pedir ajuda logo cedo, afinal essa galera da zona rural acorda cedo. Quando tudo estava tranquilo, e as duas garotas já haviam feito as pazes ouvimos um barulho.

– Puta que me pariu. – Falei baixinho.

Eram barulhos de passos. A mina do capuz tentou iluminar o lado de fora, mas só piorou a situação, baixamos os pinos das portas e levantamos os vidros, silêncio absoluto. Então o barulho de passos começou outra vez.

– QUEM TÁ AÍ PORRA? – Gritou a gordinha, claro que não houve resposta, e eu já suava frio. A loira segurou minha mão, ela tremia de medo, enquanto a gótica zen continuava tentando iluminar o lado de fora. O barulho cessou mais uma vez, e o silêncio foi cortado por um grito agudo.

– EU VI UM VULTO NA FRENTE DO CARRO! EU VI BEM ALI! – Chorava a gordinha apontando para o nada no preto da noite. A loira chegou bem pertinho de mim e pude sentir seu perfume, mas continuei focado, eu era o macho dessa merda, qualquer coisa quem teria que bater em gente era eu. Segurei a garrafa com força e levantei o pino da porta, era hora de ir lá fora e ver que porra estava acontecendo. Uma choradeira gótica, e no estilo emo, elas pediam para que eu não saísse do carro, mas fui igual.

Dava pra ver bem melhor do lado de fora, mas mesmo assim estava muito escuro, percebi que algumas nuvens encobriam a lua, o que aumentava mais ainda o pretume. Dei umas voltas ao redor do carro sem ver nada de mais, apenas o mato em volta, a estrada que se estendia logo atrás, a grama no chão que levava até o cemitério, e mais nada. Quando ia entrar no carro senti um calafrio, e meu sangue gelou, o coração disparou e fiquei sem reação alguma.

Em cima do carro a gordinha e seus cabelos azuis sentada por sobre as pernas em posição de meditação. Seus lábios se crisparam num sorriso retorcido e assustador, e então ela desapareceu num piscar de olhos. Voltei o olhar para dentro do carro e não havia ninguém ali. Abri a porta e nada, as garotas haviam sumido, e um barulho de ferro batendo em outro ferro ecoou do cemitério.

batizado 248

Não fosse a garota loira, eu juro que teria ido embora daquele lugar num segundo, mas eu não podia, precisava acha-la. Caminhei lentamente pelas sepulturas, respiração ofegante e tremendo, com a garrafa na mão. E se aquilo fosse uma pegadinha daquelas garotas loucas? A gordinha em cima do carro foi fruto da minha imaginação, resultado da bebida e desse clima de filme de terror. Recuperei um pouco da coragem.

Foi então que vi as três, sentadas de costas em cima de um túmulo.

– Pro caralho vocês três! Tão de pegadinha comigo é? Conseguiram me assustar! Agora vamos voltar para aquela carroça preta. – Falei já me virando, mas não houve reação de nenhuma delas. Me aproximei e puxei a gótica loira pelo ombro.

Esbugalhados e vidrados, seus olhos eram como os olhos que vemos nas cabeças empalhadas de caça que alguns colocam como troféu em suas salas de visitas. As outras duas se viraram, com o olhar exatamente igual, pareciam pálidas, mas por conta da escuridão não pude ver tão bem. Ela levantou as mãos  e pude ver as enormes garras vindo na direção do meu rosto, as outras também fizeram o mesmo,  desprovidas de alma humana.

***

Se em uma bela noite de sábado, você estiver bebendo sua cerveja na sacada do Vagão Bar, e do nada aparecer três garotas góticas lhe convidando para curtir um cemitério à noite, lembre-se de como sua noite pode acabar, acabe sua cerveja e volte para dentro do bar…

Abraceraaa!

Faculdade Rei dos Galã 3

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teste

 

 

Após me formar na FRG e dois meses depois ter pego todas as mulheres da cidade, fiquei um tempo fora dando voltas pelo mundo. Meditei na Índia, um lugar maravilhoso diga-se, com cheiro de incenso e bosta de vaca, que ruminavam por toda parte.  Em meu exílio, aprendi os segredos dos mantras e Krishina, e os princípios básicos do Kamasutra.

 

 

Mudei-me para a China, onde estudei rigorosamente os segredos Taoistas do amor, aplicando de forma prática em asiáticas safadinhas os ensinamentos dos mestres Mantak Chia e Michal Winn. Após ser banido do país por maridos Chineses que criaram antipatia por minha pessoa, preferi continuar na Ásia.

 

 

Cheguei ao Japão querendo conhecer as famosas gueixas e suas mentes abertas aos novos prazeres do corpo de uma forma natural, algo que faz parte da vida. Aprendi técnicas de massagem sensacionais, e passei a ter algum apreço por gemidos agudos.

 

 

Pretendendo respirar um ar mais poluído, e colocar em prática meu lado artístico, viajei a Paris. Lá virei um expert em perfumes, uma arte muito útil para conquistar corações por lá. Trabalhei algum tempo de fotógrafo, tirando foto de lindas mulheres e depois de alguns meses fiz as malas e parti para o Ocidente.

 

 

Passei pela Argentina onde aperfeiçoei meu tango – na FRG havia uma cadeira de tango – e aprendi alguma coisa sobre vinhos. As argentinas se mostraram muito receptivas, apesar de eu ser brasileiro e sempre falar mal de seus homens, me dei muito bem por lá. Houve um episódio muito agradável, onde me escondi dentro de um armário quando o marido de uma argentina chegou mais cedo do trabalho, e precisei pular a janela e sair pelado pelas ruas de Buenos Aires.

 

 

Então recebi um convite para dar uma palestra na FRG.

 

 

Outro que se formou na FRG

 

 

Voltei imaginando jovens de mente aberta, voltados para o presente ao invés do futuro, prontos para viver. Mas me decepcionei, dei de cara com um grupo de alunos abobados.

 

 

– Ah senhor, nós vamos para as festas só para dançar e ficar de boa. – Disse um espertinho.

 

– O QUE??? E pegar gente? Flertar? Trovar? Conquistar? – Perguntei incrédulo.

 

 

Não houve resposta. Aqueles alunos estavam ali sem ter tido nenhuma base quando adolescentes. O que seriam esses jovens? Virariam velhos indo atrás de garotinhas depois de perceber tarde de mais que não aproveitaram o suficiente? Garotos tímidos nos cantos do bar tomando Sprite com energético e esperando um milagre? Trancados dentro de casa jogando vídeo game e comendo hambúrgueres, ficando obesos e ouvindo o cdzinho do Lovy Metal, depressivamente ao lembrarem de bons tempos que nunca existiram. O que esses professores andam ensinando no ensino fundamental hoje em dia?

 

 

Para minha surpresa, um garoto levantou o braço.

 

 

– Fala rapaz!

– Bem, eu peguei uma guria numa festa outra noite…

 

 

Aquelas palavras acenderam a chama da esperança em meu coração, mas fiquei desconfiado.

 

 

– Me diga garoto, como você fez isso? – Perguntei malicioso.

 

– Oras, foi bem fácil, eu disse pra ela que era virgem, que nunca nenhuma mulher havia me beijado, nem se quer chegado perto de mim, que eu era um coitadinho e que estava com uma doença terminal, meu último desejo era ficar com ela. – Respondeu o jovem tranquilo.

 

– DE BURRO TU SÓ TEM A CARA, AS ORELHAS E O JEITO DE ANDAR HEIN GAROTÃO! – Exclamei alegre, e continuei a palestra.

 

 

Ao final todos aplaudiram, e já se foram pra casa com outros olhos, observando o movimento, as pernas, o rebolado, o brilho no olhar das mulheres, pensando no grande futuro que poderiam ter se seguissem apenas 10% do que haviam ouvido naquele auditório, e eu me senti muito bem ensinando algo de importante na vida daqueles futuros homens…

 

 

Lembrei-me de meu antigo professor, “Bonitinho”, cantando o sucesso pegadorzinho de gente depois das aulas:

 

 

 

 

Então me lembrei de como a Faculdade foi importante em minha vida. Bem, foi o que minha mãe sempre me disse “ESTUDA GURI!”

 

 

Abraceraaa!

A origem da Bergamota

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Cansado de fazer barulho no velho violão que havia ganhado da querida vovó, resolvi ir catar latinhas. Juntei sacos de latas, metais, antimônio, alumínio, cobalto, ferro, rutênio, ósmio, hássio, gás hélio, hidrogênio, etc., para poder vender e comprar uma guitarra. Todo tipo de sucata tomou conta de metade do porão.

 

 

Cheias de areia dentro

 

 

Levei todo material com ajuda do meu pai a algum tipo de mafioso de metais preciosos num ferro velho. Pesou todas as latinhas amassadas, desconfiado de que eu pudesse ter colocado areia dentro para pesar mais, verificou se o cobre estava queimado, se não havia nenhum tipo de plástico consistente, e enfim, me jogou nos peito R$300,00. Peguei o dinheiro com uma mão e larguei com a outra na loja de instrumentos musicais. Uma kashima simplória, para novatos como eu. De brinde ganhei uma aula grátis com um cabeludo metaleiro.

 

 

Empolgado, irritei todos os vizinhos. Eu realmente não sabia tocar nada, tanto é que algumas vezes nem ligava a caixa, só encaixava a alça na guitarra e colocava-a por sobre os ombros, e fingia estar tocando enquanto alguma música tocava no rádio. Imaginando que após a aula do metaleiro, eu seria capaz de tocar o que quisesse de olhos fechados, balançando a cabeça como Clapton, contemplando cada nota perfeita, condenando cada acorde errado.

 

 

Cheguei ao estúdio. O cabeludo me olhou com uma cara de “puta merda, outro piá de bosta”.

 

 

– Tu já sabe tocar alguma coisa guri? – Me perguntou enquanto mexia no celular.

– Não sei, mas estou aqui para aprender. – Falei inocente, 14 anos na cara.

 

 

Mostrou-me os acordes de Blitzgrieg Bop dos Ramones e me mandou tocar. Apesar de ser a coisa mais simples do mundo, obviamente eu não consegui.

 

 

– É mais difícil do que parece. – Falei já com a testa brilhosa pelo suor e os dedos doendo muito.

– Guri, isso é o que tem de mais fácil. Se tu não conseguir tocar isso, te tranca em casa e nunca mais sai. – Disse sem me olhar. Em momento algum o pau no cú me olhou.

 

 

Fiquei os 45 minutos da aula tentando e nada, quando acabou o tempo, o cabeludo desligou minha caixa e largou o ar pela boca aliviado, dando graças a Deus por ter acabado meu tempo. Voltei para casa completamente arrasado. Triste no banco de trás do chevette cinza que meu pai tinha na época. A revolta foi tanta que resolvi deixar o cabelo crescer.

 

 

 

 

Resolvi tentar outra vez e comecei a fazer aula com um tipo esquisito de cabelos cacheados e cara de velho, voz de Romário Peixe. O cara não tinha um pingo de paciência e gritava a cada erro meu. Havia alguma coisa errada com aquele cara, mau humorado o tempo todo, coroa chato e ranzinza, sem mulher. Acho que tinha o pau pequeno…

 

 

Com medo do maluco, passei a praticar muito, muito mesmo. Aos poucos os erros foram diminuindo, juntamente com os gritos. Nunca tive o status de virtuoso, longe disso, mas conseguia tirar algumas músicas de ouvido, algo que me deu confiança para chegar nas garotas na escola.

 

 

Dois anos depois, já cabeludo e com certo conhecimento em Rock n Roll, conheci um cara chamado Guampa, que me apresentou Os Cascavelletes, alto, seco e de olhos azuis, all star e cachopa loira. Nas manhãs na escola, em vez de estudar, ficávamos cantando cazuza e escrevendo merdas. Filosofando sobre o sonho de ter uma banda, pegar todas as gostosas e ainda ganhar dinheiro.

 

 

 

– Se eu ganhasse na mega sena o mundo seria um lugar melhor.

– Cara, se eu ganhasse na mega sena morreria em 30 dias, primeiro ia me dar cirrose depois ia pegar uma AIDS de tanta festa.

– Merda que nunca vamos ganhar essa merda, temos que ganhar dinheiro montando uma banda.

– É só nisso que eu penso, mas não vamos ganhar dinheiro com rock.

– Cara, pelo menos vamos ganhar mulheres…

 

 

Guampa nessa época ia toda semana na casa do irmão mais velho dele e estava tendo aulas de bateria em uma bateria eletrônica. Logo, já tínhamos guitarra e bateria. Faltava um baixista, e logo apareceu um cara completamente hippongo e já experiente na arte da música chamado Pá.

 

 

Aqui cabe abrir um parêntese. Como a ideia de pegar mulher pode motivar um adolescente. Imaginar que cada noite depois de um mega show, dezenas de garotas iriam invadir nosso camarim como um furacão de libido, levando minhas roupas e as delas também, fazendo com que todo o esforço de 8 horas por dia ensaiando rumo ao virtuosismo valesse a pena.

 

 

 

 

Sem lugar pra ensaiar, perdemos o baixista. Mas a vontade era tanta que ensaios com bateria eletrônica e o violão velho da vovó rolavam na casa do Guampa, que dava sempre um jeito de surrupiar a bateria do irmão, onde eu gravava violão e voz, e depois em cima da minha gravação, Guampa gravava a bateria, e vice-versa. Uma época muito criativa, em meio a saídas nos falecidos Revival e Vagão Bar, e até mesmo na falecida Yes Music Hall, cada noite rendia uma história ou letra.

 

 

Depois de um tempo sem tocar, algumas mulheres, trampo, barba na cara, cabelão cortado, início de faculdade, desilusões amorosas, e mudança de lar, eis que apareceu uma galera muito louca que começou a sair com nós: João, Nícolas e Gaméla. A respeito deste último que ainda faz parte da banda, vale frisar que é o tipo mais rock n roll que eu já conheci, fusão de Morrison com Jagger. O sonho de cinco anos tentando montar uma banda finalmente se concretizaria. A banda logo foi batizada de Os Cascalhosverdes, com a ideia de fazer Os Cascavelletes cover. Integrantes passaram semanas tirando as músicas em casa, incessantemente. Tocaram Ugagogobabagô pulando, gritando, dançando, agitando e colocando o pobre estúdio a baixo durante intermináveis dois minutos. Eram cabelos esvoaçantes, cabeças balançando, pés batendo ao chão, e muita gritaria e barulho, um sonho de uma vida se realizando. No final um silêncio poético, quebrado por três palavras:

 

 

– Que bosta hein! – Disse algum.

 

 

Olharam-se todos desanimados, guardaram os instrumentos e foram embora.

 

 

– Bah, mas a gente podia montar um blog chamado bergamotas ou algo assim.

– É quem sabe…

 

 

Abraceraaa!

 

 

 

 

 

O amor dos jovens

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Era um belo fim de tarde de verão. O jovem passou radiante em meio as tendas dos peruanos que tocavam flautas e vendiam pulseiras e brincos de suas aldeias. Segurando um lindo buquê de flores brancas e vermelhas, o jovem transbordava alegria através do sorriso e do brilho nos olhos pelas ruas que passava, e contagiava a todos, um senhor falou:

 

 

– Hey rapaz, não namore muito hein! O jovem retribui com um sorriso e continuou seu caminho até a casa da amada.

 

 

A banca estampava o jornal com notícias do verão e as belas praias que estavam lotadas de gente, o futebol que chegava na final do campeonato, o dia dos namorados e inúmeras sugestões de presentes para a pessoa amada, um assassinato de uma garota em algum bairro qualquer, as eleições que teriam início no próximo mês. Mas nada disso importava para o jovem que seguia sorrindo. Cabelos loiros e olhos azuis, a barba feita e o cabelo bem cortado, parou em uma joalheria, abriu a carteira e pegou as notas de dinheiro que havia guardado. Comprou um lindo anel para sua querida.

 

 

 

Uma senhora viu o jovem saindo da loja e sorriu. Sabia que ele estava apaixonado.

 

 

 

Continuou. Algumas garotas ficaram observando-o e deram algumas risadinhas quando ele se foi. Passou pela praça onde alguns velhos senhores esperavam o fim jogando milho seco as pombas, alguns casais apaixonados conversavam animadamente sentados nos bancos de madeira enquanto o chafariz jorrava a água a alguns metros a cima, fazendo minúsculas gotículas de água refrescarem aquele final de tarde quente de verão.

 

 

 

Ele não pode deixar de imaginar sua amada colocando o anel no dedo e em seguida abraçando-o com lágrimas de felicidade nos olhos, dizendo que o amava, uma imagem tão real que ele parou de caminhar. O coração disparou naquele momento. E se ela não gostasse do anel? E se fosse cedo demais? Poderia estar comentendo um erro…

 

 

 

Olhou para o céu e viu os tons azuis escuros e rosados, misturando-se com o alaranjado das nuvens. Amava ela mais que tudo e sabia que ela sentia o mesmo por ele. O grito de uma menina que brincava correndo atrás das pombas fez seus pensamentos sumirem, e voltou-se a andar. Colocou a mão direita no bolso do casaco apertando o anel e seguiu em frente.

 

 

 

Começava a escurecer e as luzes dos postes começaram a ligar em sequência, iluminando as poucos cada esquina da cidade. O jovem andava tranquilamente quando um casal caminhava no sentido contrário, ao passarem pelo jovem a mulher cutucou forte o braço do marido e disse:

 

 

– Você tinha a mesma aparência quando era jovem e apaixonado. Agora está sempre com a cara fechada.

 

 

O homem balançou a cabeça negativo. A esposa sabia que a única coisa mais bela que os fins de tarde de verão era o amor dos jovens.

 

 

 

De repente o jovem parou em frente a uma casa. Avistou uma garota se despedindo dos pais que saíam arrumados para algum provável jantar ou festa. Esperou os dois sairem e entrou pelo portão branco de madeira, seguiu a passos rápidos, mas cuidadosos, ainda com a mão direita no bolso onde segurava o anel, na esquerda o buquê de flores. Empurrou a porta semi aberta e entrou na casa. Uma jovem garota entrou na sala e parou surpresa.

 

 

– Olá amor, olhe só o que eu trouxe para você. – Sorriu mostrando as florês.

 

 

A jovem, sem entender arqueou as sobrancelhas e deu um passo para trás. O rosto radiante do jovem deu lugar a um olhar arregalado, começou a tremer e a respirar ofegantemente.

 

 

Como poderia ser? Ela estava estranha! Estava se afastando!

 

 

– Lucia! Por que você está fazendo isso comigo? – Gritou ele olhando para os lados parecendo tentar entender o comportamento dela.

 

– Meu nome não é Lucia! Quem é você seu louco? – Disse a moça assustada.

 

 

 

O jovem pulou no pescoço da garota, apertando com as duas mãos, e o som abafado que saía da boca da moça era ouvido apenas no próprio pensamento dela, que tinha como última visão os olhos raivosos do jovem e os dentes cerrados, a paixão deu lugar a loucura, e quando a moça parou de se debater e arranhar o rosto dele, a soltou e jogou as flores em cima do corpo, o anel, colocou no próprio dedo onde já havia um outro, e saiu pela escuridão da noite. A respiração ofegante deu lugar a uma expressão indiferente, e ele seguiu pelas ruas iluminadas pelos postes,  todos com suas lâmpadas ligadas.

 

 

 

A banca estampava o mesmo jornal com notícias do verão e as belas praias que estavam lotadas de gente, o futebol que chegava na final do campeonato, o dia dos namorados e inúmeras sugestões de presentes para a pessoa amada, um assassinato de uma garota chamada Lucia na noite anterior, estrangulada, provavelmente pelo namorado rejeitado, seu corpo coberto de flores em algum bairro qualquer, as eleições que teriam início no próximo mês. Mas nada disso importava para o jovem que voltou a seguir.

 

 

 

O mesmo casal que passará por ele a poucos minutos atrás voltava, e a esposa deu outro cutucão no marido. Ela sabia que a única coisa mais bela que os fins de tarde de verão era o amor dos jovens.

 

 

Abraceraaa!

O mistério do óculos

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Abri a janela e vi que eu não conseguia ver nada. Só de perto. Tentei ler o letreiro luminoso do clube novo de gurizadinha que haviam instalado há algumas semanas no outro lado da rua, e depois de muito tentar continuei não conseguindo…

 

 

Então eu andava pelas ruas úmidas e frias de Caxias do Sul olhando para o chão, e ele estava completamente nítido, tudo o que olhava de perto era nítido, mas de longe estava feia a coisa. Minha visão a longa distância estava comprometida, embaçada, fora de foco – maldita miopia. Passei por uma garota linda, mas de calça verde.

 

 

Decidi por ir ao médico. Depois de alguns minutos sentado em uma cadeira levemente confortável observando uma garotinha deitada no chão sujo enquanto sua mãe falava no telefone, um médico muito jovem de jaléco branco e calça laranja apareceu na porta, estava com fones de ouvido e disse sorrindo:

 

 

– Hofmann!

 

 

Levantei surpreso.

 

 

Será que além de míope sou daltônico?


 

 

– Qual teu problema jovem?

– Problema nas vistas Doutor. Mas já aviso que não gosto de óculos.

– Meu jovem – falou com um sorriso no canto da boca – aqui não tem não gostar!

 

 

 

Passei a usar óculos.

 

 

 

Obviamente, comprei o mais barato e sem frescura de antirreflexo, e quando coloquei ele pela primeira vez minha vida mudou. Eu podia ver tudo com uma clareza incrível, o mínimo detalhe eu podia ver. Via as minúsculas janelinhas dos prédios cortando o horizonte, conseguia ver que ônibus era a cinco quadras de distância, o sorriso da formiga formigando no chão, até desconfiei que se me concentrasse poderia ver através das roupas das gostosas!

 

 

 

Não fazia ideia de que estava tão mal, mas agora as coisas estavam resolvidas, nunca mais iria andar olhando para o chão, e nem forçar os olhos para enxergar algo de longe, nada passaria batido por mim, nenhum detalhe.

 

 

 

Já era bonito, agora estava bonito e inteligente!

 

 

 

Peguei o ônibus para voltar para casa e dei boa tarde para a cobradora, uma jovem usando uma camisa amarela e tênis rosa.

 

 

 

Caralho! Seria o dia do arco-íris?!

 

 

 

Mexi no rosto para ver como estava minha barba e acabei encostando a mão na lente, sujando-a. Tirei e limpei.

 

 

 

Enquanto percebi algumas garotinhas molhando as calcinhas para meu charme de intelectual, ajeitei o topete e algum dedo encostou-se à lente, embaçando-a por completo.

 

 

 

Tirei e limpei. Ao colocar novamente, um pequeno movimento errado com os dedos fez com que encostasse mais uma vez na lente. Tirei e limpei. Coloquei. Algo me irritou o nariz e ao coçar, a lente sujou. Tirei e limpei. Coloquei com todo cuidado e fiquei imóvel.

 

 

 

Ao descer do ônibus encontrei um vizinho chato que se mijou rindo ao me ver de óculos.

 

 

 

– E aí quatro olhos! – ele disse rindo.

– Meu pau de óculos. – Respondi seco.

– Quero ver no trabalho as piadinhas que vão fazer contigo, teu chefe vai pensar que tu é inteligente e vai se ferrar! – Continuou rindo.

– Quem tem chefe é índio. – Respondi seco.

 

 

 

Um rapaz que passava no mesmo instante olhou sério para nós, usava um óculos gigante branco e calça vermelha.

 

 

 

– Ó teu irmão aí, só faltou pra ti a calça vermelha. – Seguiu rindo.

– A calça vermelha esqueci no quarto da tua irmã ontem de noite. – Respondi seco.

– Cara, tu tá muito horrível com esse óculos. – Seguiu fazendo piada.

– Mas no meu caso é só tirar o óculos, já tu é horrível de qualquer jeito. – Respondi muito seco.

– Virou piadista ou coisa parecida? – Perguntou já não rindo tanto.

– Coisa parecida. – Respondi seco.

 

 

Mas que puta que pariu tchê!

 

 

 

Apressei o passo e segui meu caminho para casa. A duas quadras uma fila interminável de gente colorida, o céu começava a ficar alaranjado, a noite se aproximava…

 

 

 

“Bah vai bombar hoje esse clube novo de gurizadinha.”

 

 

 

Cheguei e preparei um belo de um cafézão com torrada e biscoito. No primeiro gole de café a lente do óculos embaçou por completo pelo bafo quente.

 

 

 

Mas que merda usar óculos! Devia ter me cuidado quando era jovem.

 

 

 

Lembrei-me do real motivo de tudo isso: O letreiro!

Corri até a janela e li:

 

 

 

 

 

HOJE A NOITE, SHOW COM A BANDA RESTART!


 

 

 

 

 

 

 

 

Poderia, além de cegueta, ser surdo essa noite!

 

 

 

 

Abraceraaa!