Tags
aulas, bateria, bergamotas, blog, cascavelletes, cazuza, escola, estudio, festa latina, Gamela, guampa, guitarra, latas, música, metaleiro, violão
Cansado de fazer barulho no velho violão que havia ganhado da querida vovó, resolvi ir catar latinhas. Juntei sacos de latas, metais, antimônio, alumínio, cobalto, ferro, rutênio, ósmio, hássio, gás hélio, hidrogênio, etc., para poder vender e comprar uma guitarra. Todo tipo de sucata tomou conta de metade do porão.
Levei todo material com ajuda do meu pai a algum tipo de mafioso de metais preciosos num ferro velho. Pesou todas as latinhas amassadas, desconfiado de que eu pudesse ter colocado areia dentro para pesar mais, verificou se o cobre estava queimado, se não havia nenhum tipo de plástico consistente, e enfim, me jogou nos peito R$300,00. Peguei o dinheiro com uma mão e larguei com a outra na loja de instrumentos musicais. Uma kashima simplória, para novatos como eu. De brinde ganhei uma aula grátis com um cabeludo metaleiro.
Empolgado, irritei todos os vizinhos. Eu realmente não sabia tocar nada, tanto é que algumas vezes nem ligava a caixa, só encaixava a alça na guitarra e colocava-a por sobre os ombros, e fingia estar tocando enquanto alguma música tocava no rádio. Imaginando que após a aula do metaleiro, eu seria capaz de tocar o que quisesse de olhos fechados, balançando a cabeça como Clapton, contemplando cada nota perfeita, condenando cada acorde errado.
Cheguei ao estúdio. O cabeludo me olhou com uma cara de “puta merda, outro piá de bosta”.
– Tu já sabe tocar alguma coisa guri? – Me perguntou enquanto mexia no celular.
– Não sei, mas estou aqui para aprender. – Falei inocente, 14 anos na cara.
Mostrou-me os acordes de Blitzgrieg Bop dos Ramones e me mandou tocar. Apesar de ser a coisa mais simples do mundo, obviamente eu não consegui.
– É mais difícil do que parece. – Falei já com a testa brilhosa pelo suor e os dedos doendo muito.
– Guri, isso é o que tem de mais fácil. Se tu não conseguir tocar isso, te tranca em casa e nunca mais sai. – Disse sem me olhar. Em momento algum o pau no cú me olhou.
Fiquei os 45 minutos da aula tentando e nada, quando acabou o tempo, o cabeludo desligou minha caixa e largou o ar pela boca aliviado, dando graças a Deus por ter acabado meu tempo. Voltei para casa completamente arrasado. Triste no banco de trás do chevette cinza que meu pai tinha na época. A revolta foi tanta que resolvi deixar o cabelo crescer.
Resolvi tentar outra vez e comecei a fazer aula com um tipo esquisito de cabelos cacheados e cara de velho, voz de Romário Peixe. O cara não tinha um pingo de paciência e gritava a cada erro meu. Havia alguma coisa errada com aquele cara, mau humorado o tempo todo, coroa chato e ranzinza, sem mulher. Acho que tinha o pau pequeno…
Com medo do maluco, passei a praticar muito, muito mesmo. Aos poucos os erros foram diminuindo, juntamente com os gritos. Nunca tive o status de virtuoso, longe disso, mas conseguia tirar algumas músicas de ouvido, algo que me deu confiança para chegar nas garotas na escola.
Dois anos depois, já cabeludo e com certo conhecimento em Rock n Roll, conheci um cara chamado Guampa, que me apresentou Os Cascavelletes, alto, seco e de olhos azuis, all star e cachopa loira. Nas manhãs na escola, em vez de estudar, ficávamos cantando cazuza e escrevendo merdas. Filosofando sobre o sonho de ter uma banda, pegar todas as gostosas e ainda ganhar dinheiro.
– Se eu ganhasse na mega sena o mundo seria um lugar melhor.
– Cara, se eu ganhasse na mega sena morreria em 30 dias, primeiro ia me dar cirrose depois ia pegar uma AIDS de tanta festa.
– Merda que nunca vamos ganhar essa merda, temos que ganhar dinheiro montando uma banda.
– É só nisso que eu penso, mas não vamos ganhar dinheiro com rock.
– Cara, pelo menos vamos ganhar mulheres…
Guampa nessa época ia toda semana na casa do irmão mais velho dele e estava tendo aulas de bateria em uma bateria eletrônica. Logo, já tínhamos guitarra e bateria. Faltava um baixista, e logo apareceu um cara completamente hippongo e já experiente na arte da música chamado Pá.
Aqui cabe abrir um parêntese. Como a ideia de pegar mulher pode motivar um adolescente. Imaginar que cada noite depois de um mega show, dezenas de garotas iriam invadir nosso camarim como um furacão de libido, levando minhas roupas e as delas também, fazendo com que todo o esforço de 8 horas por dia ensaiando rumo ao virtuosismo valesse a pena.
Sem lugar pra ensaiar, perdemos o baixista. Mas a vontade era tanta que ensaios com bateria eletrônica e o violão velho da vovó rolavam na casa do Guampa, que dava sempre um jeito de surrupiar a bateria do irmão, onde eu gravava violão e voz, e depois em cima da minha gravação, Guampa gravava a bateria, e vice-versa. Uma época muito criativa, em meio a saídas nos falecidos Revival e Vagão Bar, e até mesmo na falecida Yes Music Hall, cada noite rendia uma história ou letra.
Depois de um tempo sem tocar, algumas mulheres, trampo, barba na cara, cabelão cortado, início de faculdade, desilusões amorosas, e mudança de lar, eis que apareceu uma galera muito louca que começou a sair com nós: João, Nícolas e Gaméla. A respeito deste último que ainda faz parte da banda, vale frisar que é o tipo mais rock n roll que eu já conheci, fusão de Morrison com Jagger. O sonho de cinco anos tentando montar uma banda finalmente se concretizaria. A banda logo foi batizada de Os Cascalhosverdes, com a ideia de fazer Os Cascavelletes cover. Integrantes passaram semanas tirando as músicas em casa, incessantemente. Tocaram Ugagogobabagô pulando, gritando, dançando, agitando e colocando o pobre estúdio a baixo durante intermináveis dois minutos. Eram cabelos esvoaçantes, cabeças balançando, pés batendo ao chão, e muita gritaria e barulho, um sonho de uma vida se realizando. No final um silêncio poético, quebrado por três palavras:
– Que bosta hein! – Disse algum.
Olharam-se todos desanimados, guardaram os instrumentos e foram embora.
– Bah, mas a gente podia montar um blog chamado bergamotas ou algo assim.
– É quem sabe…
Abraceraaa!