![vagaoesterno](https://i0.wp.com/www.bergamotas.com/wordpress/wp-content/uploads/2013/04/vagaoesterno-200x300.jpg)
Eu estava na sacada do falecido Vagão Bar bebendo uma cerveja bem gelada numa bela noite de sábado. Do lado de dentro se apresentava a banda Cartolas – ou Vera Loca -, quando percebi duas garotas ao meu lado. As duas faziam o estilo gótico, com olhos pintados de preto, batom preto e vestidas de preto. Uma delas usava um capuz, mas percebi que tinha o cabelo preto, a outra se diferenciava apenas por ser loira, e as duas estavam com as pernas de fora. Mulheres góticas não fazem meu estilo, então voltei a fitar o horizonte, descendo um belo gole.
Mas por que raios duas góticas vieram logo hoje?
O lance boêmio se desfez com as risadinhas, aquelas que você sabe que são pra você, garotas se fresquiando, é que eu parecia o Elvis naquela época. Olhei para duas e mandei um beijinho, as duas se olharam com cara feia e deram risada, e eu voltei a descer outro gole, realmente a noite estava muito bela.
É claro que eu não ia puxar papo, era noite de ficar fazendo pose na sacada com uma garrafa de cerveja sozinho, esperando a gurizada aparecer contando causos, e então quando o show acabasse voltar para dentro do bar e beber algumas doses de tequila, enlouquecer, e depois voltar cantarolando um Cascavelletes no caminho de volta pra casa.
– Curte cemitério? – Me perguntou a garota loira, eu nem ia dar brecha, mas a pergunta me intrigou.
– Como assim?
– É sabe, ir pro cemitério de noite, ficar de boa curtindo.
– Tenho medo dessas coisas. – Falei brincando, não tenho medo de nada.
A duas riram.
Uma terceira gótica apareceu como um terremoto, uma gordinha de cabelo azuis xingando alguém que estava dentro do bar, me deu uma secada com cara de nojinho.
– Quem é esse?
– Ah é um cara que tem medinho de cemitério. – Falou a loira.
– Você costumam ir mesmo pro cemitério? – Perguntei duvidando.
– Hoje vai ser a primeira vez. – Deixou escapar a morena de capuz.
– Ah, primeira vez é? Pensei que vocês fossem experientes nisso. – Me virei já caminhando para dentro do bar.
– Espera! – Gritou a Garota de cabelos loiros – Você não quer vir com a gente? Temos bastante bebida e um carro.
Elas estavam com medo, essa era a verdade, góticas assustadas. A ideia de ficar sozinho com três garotas, um carro e muita bebida me agradava, mas ir para um cemitério não, apesar de curtir esse lance zumbi. Se rolasse alguns mortos vivos nos perseguindo, com certeza a gordinha seria pega primeiro, me tranquilizei.
– Até posso ir, mas depois me levem até em casa.
A gordinha e a morena do capuz pegaram nossas comandas e foram pagar, eu fiquei escorado na parede, jaqueta de couro gola alta e um topete de respeito, no maior estilo rockabilly, a loira ficou me olhando.
– Vocês são daqui? As pessoas de Caxias são fechadas, não fazem amizade assim com qualquer um. – Perguntei.
– Não somos daqui, mas no caminho pra cá vimos um cemitério muito macabro. – Respondeu sorrindo, eu nem fiz questão de perguntar de onde eram.
A gordinha era a motorista e tinha um paliozinho preto, o que me deixou com um pé atrás, a chave do carro estaria com ela caso precisássemos correr e fugir de alguém, ela não teria folego e seria pega. Fui no banco de trás com a loira. A morena de capuz ligou o rádio e começou uma gritaria da porra.
– MAS QUE MERDA É ESSA? – Gritei.
– Isso é Bring me to Horizon, e começaram a se debater, lembrei-me do Harlem Shake.
![Con los terroristas!](https://i0.wp.com/www.bergamotas.com/wordpress/wp-content/uploads/2013/03/harlem-shake-300x300.jpg)
Con los terroristas!
Fomos nos afastando da cidade. Logo apareceu uma garrafa de uísque, que não larguei mais. A gordinha tinha peitos enormes, que neste caso serviam de air bag, dirigia fumando e de vez enquanto soltava um “demais cara, demais!”. A garota do capuz era a mais estranha, meio mocoronga, não entendia as piadas que eu contava. Já loira era a mais normalzinha, conversava comigo e eu comecei a me interessar. Seguimos a rodovia até chegar em uma estrada de chão, andamos de carro mais algum tempo e então paramos. A três saltaram de dentro do carro gritando e dançando, feito crianças com um brinquedo novo, logo a frente uma placa que dizia “Cemitério”.
A lua iluminava bem, e os faróis do carro também, mesmo assim desci desconfiado, olhando para todos os lados, com a garrafa de uísque na mão, logo catei um pedaço de madeira do chão e fiquei ligado. Alguma delas aumentou o volume do som, e caminhamos mais um pouco até começarem a aparecer algumas lápides pelo chão, as garotas foram à loucura. A gordinha subiu em cima de um túmulo e começou a dançar levantando a blusa e mostrando os peitões gigantes enquanto segurava uma garrafa de vodka.
A garota do capuz se juntou à gordinha, enquanto eu e a loira fomos dar uma volta macabra pelas sombras da noite. Ela me contou que não era tão pirada quanto às amigas, mas que se sentia muito bem na companhia delas, contou que era uma garotinha comportada e certinha até pouco tempo atrás, mas que algumas coisas fizeram com que ela se revoltasse e começasse a fazer algumas loucuras, tipo esta de passear num cemitério à noite com um estranho.
Paramos. Ainda era possível ouvir os gritos das outras duas quando a garota me falou:
– Eu não tenho medo de nada sabia?
– Nem de nunca sentir medo?
– Nem. E nem acredito em nada destas coisas sabe? Tipo fantasma, vampiro… Acho tudo isso uma maluquice. Acho que deveríamos ter medo de nós mesmo primeiro, somos capazes de fazer tanta coisa ruim sabe? Tipo matar uns aos outros a troco de nada, roubar, fazer maldade, quando em vez disso poderíamos estar fazendo novas amizades, curtindo momentos malucos tipo agora…
Eu estava velejando em um mar de cerveja na sacada do bar quando de repente os olhos daquelas garotas brilharam iluminando um porão fundo, escuro que chamamos minha alma, que era amontoada, descendo lá para um canto, só com um pouquinho de vida, estava minha velha (nem tão velha assim) consciência. Mas eu estava lá, bebendo uma cerveja na sacada do bar, ensaiando mais uma bebedeira quando o novo surge, mais uma oportunidade de viver!
![54930_Papel-de-Parede-Cemiterio--54930_1024x768](https://i0.wp.com/www.bergamotas.com/wordpress/wp-content/uploads/2013/04/54930_Papel-de-Parede-Cemiterio-54930_1024x768-300x225.jpg)
Voltamos para perto das outras, enquanto elas continuavam a balançar os peitos em cima das sepulturas de pobres diabos que já morreram. Então começou a tocar uma música calma, e nós quatro nos sentamos em cima de uma lápide. Eu também não acredito em vampiro, espírito e lobisomem, fiquei de boa. Continuamos nossa conversa filosófica e sinistra, e logo o álcool fez efeito. Tiramos as roupas e todos balançavam o que tinham para balançar, e as garrafas passavam de mão em mão, eu me sentindo um hippie sinistro quando a gordinha começou a gritar:
– Apareçam zumbis! Apareçam!
Achei loucura gritar daquele jeito, vai que alguém ouvisse, mas entrei na onda, e logo todos nós gritávamos.
– Apareçam! Vamos! Não temos medo de vocês!
Todos bêbados e corajosos. Me empolguei segurando a garrafa na mão.
– Huhuhu! Coloca mais água nesse feijão!
Neste momento as luzes do farol do carro se apagaram, juntamente com o rádio que desligou, um silêncio mais feio que um cagaço. Estávamos no meio do nada com um carro sem bateria, e logo me arrependi de ter me enfiado nessa fria. Vestimos nossas roupas e resolvemos todos entrar no carro. O silêncio era foda, e a gente podia ouvir uns barulhos estranhos no mato, tipo galho quebrando, coruja, grilo e toda a fauna da região.
– De quem foi a ideia de deixar o rádio ligado? – Perguntou a Loira.
– Da tua vó! – Respondeu a Gordinha.
– Cala boca sua gorda feia!
– Cala boca você sua esquisita maluca…
Enquanto as duas discutiam a gótica do capuz iluminava tudo com o seu celular, ela parecia estar de boa mesmo naquela situação de merda.
– Porra tu é tri zen né mulher? – Perguntei a ela.
– Zen? O que significa?
– De boa sabe, tranquila. – A outras duas pararam de discutir e começaram a prestar atenção na nossa conversa.
– Ah então sou zen sim. – Respondeu rindo.
– Parece que tu tá sempre chapada, viajando na maionese. – Finalizei, e ninguém falou mais nada.
O que restava era ligar pra alguém ou esperar amanhecer, havia algumas casas ali perto e poderíamos pedir ajuda logo cedo, afinal essa galera da zona rural acorda cedo. Quando tudo estava tranquilo, e as duas garotas já haviam feito as pazes ouvimos um barulho.
– Puta que me pariu. – Falei baixinho.
Eram barulhos de passos. A mina do capuz tentou iluminar o lado de fora, mas só piorou a situação, baixamos os pinos das portas e levantamos os vidros, silêncio absoluto. Então o barulho de passos começou outra vez.
– QUEM TÁ AÍ PORRA? – Gritou a gordinha, claro que não houve resposta, e eu já suava frio. A loira segurou minha mão, ela tremia de medo, enquanto a gótica zen continuava tentando iluminar o lado de fora. O barulho cessou mais uma vez, e o silêncio foi cortado por um grito agudo.
– EU VI UM VULTO NA FRENTE DO CARRO! EU VI BEM ALI! – Chorava a gordinha apontando para o nada no preto da noite. A loira chegou bem pertinho de mim e pude sentir seu perfume, mas continuei focado, eu era o macho dessa merda, qualquer coisa quem teria que bater em gente era eu. Segurei a garrafa com força e levantei o pino da porta, era hora de ir lá fora e ver que porra estava acontecendo. Uma choradeira gótica, e no estilo emo, elas pediam para que eu não saísse do carro, mas fui igual.
Dava pra ver bem melhor do lado de fora, mas mesmo assim estava muito escuro, percebi que algumas nuvens encobriam a lua, o que aumentava mais ainda o pretume. Dei umas voltas ao redor do carro sem ver nada de mais, apenas o mato em volta, a estrada que se estendia logo atrás, a grama no chão que levava até o cemitério, e mais nada. Quando ia entrar no carro senti um calafrio, e meu sangue gelou, o coração disparou e fiquei sem reação alguma.
Em cima do carro a gordinha e seus cabelos azuis sentada por sobre as pernas em posição de meditação. Seus lábios se crisparam num sorriso retorcido e assustador, e então ela desapareceu num piscar de olhos. Voltei o olhar para dentro do carro e não havia ninguém ali. Abri a porta e nada, as garotas haviam sumido, e um barulho de ferro batendo em outro ferro ecoou do cemitério.
![batizado 248](https://i0.wp.com/www.bergamotas.com/wordpress/wp-content/uploads/2013/04/batizado-248-300x201.jpg)
Não fosse a garota loira, eu juro que teria ido embora daquele lugar num segundo, mas eu não podia, precisava acha-la. Caminhei lentamente pelas sepulturas, respiração ofegante e tremendo, com a garrafa na mão. E se aquilo fosse uma pegadinha daquelas garotas loucas? A gordinha em cima do carro foi fruto da minha imaginação, resultado da bebida e desse clima de filme de terror. Recuperei um pouco da coragem.
Foi então que vi as três, sentadas de costas em cima de um túmulo.
– Pro caralho vocês três! Tão de pegadinha comigo é? Conseguiram me assustar! Agora vamos voltar para aquela carroça preta. – Falei já me virando, mas não houve reação de nenhuma delas. Me aproximei e puxei a gótica loira pelo ombro.
Esbugalhados e vidrados, seus olhos eram como os olhos que vemos nas cabeças empalhadas de caça que alguns colocam como troféu em suas salas de visitas. As outras duas se viraram, com o olhar exatamente igual, pareciam pálidas, mas por conta da escuridão não pude ver tão bem. Ela levantou as mãos e pude ver as enormes garras vindo na direção do meu rosto, as outras também fizeram o mesmo, desprovidas de alma humana.
***
Se em uma bela noite de sábado, você estiver bebendo sua cerveja na sacada do Vagão Bar, e do nada aparecer três garotas góticas lhe convidando para curtir um cemitério à noite, lembre-se de como sua noite pode acabar, acabe sua cerveja e volte para dentro do bar…
Abraceraaa!